terça-feira, 8 de janeiro de 2013

É aniversário de David Bowie; O fascinante Camaleão do Rock completa hoje 66 anos




“Talvez o indie rock só exista por causa de milhares de moleques que perceberam que eles nunca, nunca poderiam parecer com David Bowie”. A citação é de Marc Spitz, autor de Bowie – A Biografia (Benvirá, 2010), referindo-se a quando tentou imitar um dos muitos visuais do músico.

Você não precisa ser um adepto da “bowiefilia” para ler. O livro de Spitz mostra a evolução do artista, suas várias fases, das mais inovadoras e impactantes às menos inventivas, e você pode gostar muito de uma, talvez de duas delas, ou do todo. Mas se você gosta de música, é improvável que não se impressione com algo feito por David Bowie, desde “Space Oddity”, o primeiro single de sucesso em 1969, até Reality (2003), o último disco até o momento - a não ser que o velho camaleão surpreenda mais uma vez.

Por ter sido escrito por um fã assumidíssimo de Bowie, fica óbvia a parcialidade. Spitz se dá o prazer de usar de ironia sutil quanto a um ou outro aspecto, mas isto é raro. Exceto por algumas raras controvérsias, Bowie é imaculado. Salvo também por um episódio envolvendo o cantor Gary Numan, quando o então generoso Bowie, colaborador de Iggy Pop e Lou Reed, voltou-se contra a ideia de dividir o mesmo estúdio de TV com Numan, um dos expoentes musicais dos anos 80. Numan estava entre aqueles que foram influenciados pela fase Low de Bowie - o primeiro álbum da chamada Trilogia de Berlim -, pelo uso de sintetizadores (um período em que Bowie recebeu influência do Kraftwerk). Esses músicos dos anos 80, outrora somente fãs, viraram enfim concorrentes à altura, vendiam tanto quanto ou mais que ele. Bowie não ficou passivo à concorrência.

O campo familiar não fica de fora. Spitz nos apresenta o Bowie filho, irmão mais novo, esposo e pai. Mas acima de tudo delineia a trajetória fluída do extraordinário músico, do ator (O homem que caiu na Terra, Fome de Viver e Basquiat, por exemplo) e até artista plástico. 

Em 1966, David Jones - que fora o menino inglês de classe média baixa fascinado pela cultura dos Estados Unidos -, se torna David Bowie e passa a ser o artista solo que recrutava músicos e os dispensava conforme a ocasião - como aconteceria com os que formaram a Spiders From Mars. Do tímido David Jones ao extravagante Ziggy, o autor discursa sobre a relação entre Bowie e Marc Bolan. Ambos se conheceram ainda aspirantes, tinham suas iniciantes carreiras gerenciadas pelo mesmo profissional e nutriam os mesmos interesses por roupas e por se tornarem superastros da música. Quando Bowie personificou Ziggy e finalmente ganhou fama, Bolan já era famoso com sua poderosa T. Rex, mas seria com Ziggy que o glitter rock (ou glam, se preferir) ganharia mais força. Em alguns anos, Bowie seria mais famoso que Bolan, que morreria precocemente mas permaneceria cultuado, ainda que por um número menor de fãs.

O icônico Ziggy Stardust veio ao mundo em 1972, com uma forcinha providencial de Angie Bowie, sua esposa e espécie de figurinista na época. Foi ela, por exemplo, que sugeriu que o cabelo dele fosse pintado de vermelho. Vale dizer que Ziggy levou à fama, mas o verdadeiro sucesso em vendas veio com o disco Let’s Dance (1983), uma década depois. Foi uma fase comercialmente arrebatadora, embora visualmente “cafona” e quase nula em matéria de conceito. Segundo o autor, Bowie é daqueles artistas que vivem o insistente conflito entre fazer arte versus “fazer dinheiro” – ele compara com o Radiohead – um equilíbrio às vezes difícil, mas imposto pelo artista a si mesmo, ao menos quando este é David Bowie – ou o Radiohead.

Numa única década - os anos 70 - David Bowie fez 11 discos, criou e apresentou ao mundo sua principal persona, e ainda teve tempo de produzir discos de Iggy Pop e Lou Reed. Exagero dizer que foi a sua Era de Ouro? Não. Apesar do arriscado uso da cocaína de então, Bowie nunca parou de produzir nessa época, como se vê. 

Naquele momento, Bowie era a antítese de seus heróis Lou Reed (The Velvet Underground) e Iggy Pop (The Stooges), que passavam por uma fase decadente na carreira – Pop, especialmente, abusava terrivelmente das drogas – enquanto a carreira de Bowie se consolidava. Nesse período, Bowie saiu em turnê com um revitalizado Iggy Pop, como tecladista da turnê de Lust for Life, o segundo disco de Iggy que também teve sua colaboração. Era o período pós-Ziggy, e mesmo com toda a fama alcançada, ele optou por ser somente um músico em segundo plano na turnê de um de seus ídolos.

Não se espante com a ambiguidade sexual de Lady Gaga na mídia. Bowie explorou isso muito antes dela. Não se surpreenda com um palco extraordinário de uma grande turnê do U2. Bowie foi pioneiro em criar megaturnês e megacenários. A teatralidade no palco da Madonna? Bowie fez muito antes também. Basicamente, o que Marc Spitz quer nos mostrar em Bowie – A Biografia é que todo ícone moderno do rock ou do pop que surgiu no show business depois de David Bowie tem a mesma inspiração: Bowie!

Robert Smith (Cure), Billy Corgan (Smashing Pumpkins), Brian Molko (Placebo), Frank Black (Pixies), Morrissey (Smiths) e Trent Reznor (Nine Inch Nails) são só alguns dos que receberam inspiração para formar suas próprias bandas. Bowie foi referência para o punk, a new wave, o pós-punk...

O livro só poderia ser ainda melhor se Spitz tivesse optado por dar títulos aos capítulos – são 29. Uma vez que o volume de informação é enorme, se quem lê pudesse se guiar por títulos que se referem ao período relatado, isso seria bem válido. 

Além de jornalista de rock, Marc Spitz é um genuíno jornalista de cultura pop, o que torna sua escrita muito rica em contextos. Todo o livro é devidamente marcado por referências dessa cultura do entretenimento de massa, seja na música, na TV, no cinema e até na moda, na maioria das vezes ligadas direta ou indiretamente à figura central. 

Outros dois pontos positivos: ao final de alguns capítulos, Spitz discursa em primeira pessoa acerca de alguma experiência pessoal ligada ao seu ídolo e personagem, como quando tentou, sem sucesso, tingir o cabelo de loiro inspirado pelo visual que Bowie adotou em Let’s Dance. E, conforme o autor narra os lançamentos dos discos, eles são resenhados, alguns com esmero, faixa por faixa. 

Para Bowie – A Biografia o autor entrevistou todo tipo de pessoa que conviveu com o artista: namoradas, empresários, músicos, produtores... Entre os profissionais, homens literalmente apaixonados por ele. Quando aspirante à fama, Bowie era um jovem músico que tinha um forte poder de sedução. Além disso, usa muitas palavras do próprio músico embasadas em entrevistas a revistas e TV.

Bowie continua a inspirar não só músicos, mas profissionais ligados à arte de uma maneira geral, especialmente estilistas, diretores de cinema e artistas gráficos. 

Referindo-se particularmente ao rock norte-americano do começo dos anos 2000, de bandas como The Strokes, Yeah Yeah Yeahs e Interpol - todas de Nova Iorque, cidade que Bowie venera e onde mora -, Spitz resume que são “bandas influenciadas por bandas influenciadas por bandas influenciadas por David Bowie”.

Então, você sabe do que muitos dos maiores artistas da música foram feitos, então talvez a principal pergunta que o livro te responda é ‘do que é feito David Bowie’.